terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Poliamor é das antigas...

Para quem acha que poliamor é um novo conceito de relacionamento, ou para os infames que dizem que é uma moda, a história mostra que esta forma libertária de viver a afetividade é muito antiga.

Nos anos 20 do século passado, a atriz Lilia Brick vivia com o marido, Ossip Brick quando hospedaram em sua casa Maiakóvski. Segundo Lilia, Ossip e ela teriam se encantado com o poeta imediatamente. Lily conta (em entrevista a Boris Schnaiderman, já bem velhinha) que gostou de Maiakovski "como homem" e comunicou ao marido seu afeto. Ossip, com quem tinha uma relação de profunda amizade e respeito,aceitou o fato com naturalidade. Daquele dia em diante Lily mudou-se para o quarto do poeta e continuaram a viver os três, por longa data, sob o mesmo teto.

Alvo de todo tipo de preconceito, Lilia Brick permaneceu casada com Ossip,mesmo depois de terem assumido uma relação de amizade. Questionada por Schnaiderman sobre por que mantivera a relação conjugal, ela respondeu que queria muito bem ao ex-marido e que temia que ele se magoasse se ela pedisse a separação.

Para ela, Maiakóvski escreveu seus mais belos poemas, com a força criativa que só o amor é capaz de proporcionar.

Abaixo,meu predileto:

Lilitchka (em lugar de uma carta)


Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto -
um capítulo do inferno de Krutchonikh.
Recorda -
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas no coração - aço.
Um dia mais
e me expulsarás
talvez com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo a rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
- duro fardo por certo -
pesará sobre seus ombros
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lancarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás que te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?

Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Confessar por quê?

A história das confissões em nossa sociedade é uma história de controle. Obtidas pelos casais, geralmente sob nomes bem bonitos como transparência, honestidade, confiança e justificadas com outros também bonitos, como amor, cuidado, carinho, servem a um único senhor: o controle.

Quem cultiva a privacidade, o segredo, o cuidado com si próprio, o partilhar apenas o que quer partilhar com os outros é tratado com tchan tchan tchan... Desconfiança!

Ao compreender o embate de forças que se dá entre inquisidores e confessadores, adotei a política do não-confessional e, obviamente, alguns e algumas colocaram a minha não-confessionalidade no patamar da falsidade e da fraqueza em sustentar pontos de vista polêmicos, especialmente aqueles que tangem minha vida amorosa.

Tempos atrás me caiu no colo um conto de Oscar Wilde que dá um tratamento primoroso ao tema, “A esfinge sem segredo”. Nele é narrada a história de Lady Alroy, mulher misteriosa por quem se apaixona Lord Murchison. O interessante é como Lord Murchison vai construindo sua interpretação sobre os mistérios de Lady Alroy, numa trama paralela imaginária, repleta de sentidos negativos; e como a própria narrativa desconstrói os sentidos atribuídos aos segredos da moça.

Eu queria ter sutileza de Wilde, mas como não tenho cabe-me ser direta. Há uma contradição no discurso das confissões, especialmente quando vem associado do valor “confiança”. Confiar não é um valor que prescinde de confissões? É preciso dar conta de cada um dos nossos passos para que nossos parceiros e parceiras nos coloquem na conta de pessoas honestas e confiáveis? Se confia, é preciso ter controle? Se confessa, é sinal de sinceridade? O que vem depois da confissão? Um julgamento, uma penitência?

Desconstruir o binômio confissão-confiança, forjado com a única finalidade de controlar é sair da obscenidade para a delicadeza do mistério. Um desafio nestes tempos de alta tecnologia em vigilância.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Insônia boa

São 3h30 da manhã e meu olho está estatelado. Paixão corre meu corpo de todos os jeitos, sai pelos poros.

Esta aventura de agora começou na UFBA, no dia que completei um ano de mestrado. Tive aula com Leandro Colling, disciplina Cultura e Identidades, tema Gênero. Isto nada diz de tudo o que senti naquela aula,naquele dia que uma mulher bem apagadinha saiu lá de dentro de mim para protestar contra o preconceito. Naquele mesmo dia, uma mulher que eu amava morreu num ataque fulminante do coração, na sala ao lado.

Aulas suspensas, morreu Neyde, uma anarquista. Na hora não senti nada, ou melhor, senti uma alegria por ela não ter sofrido. Soubemos ali, na hora que rolou, que ela pediu um copo d'agua e caiu morta.

Passei aquele dia e o outro pensando em Neyde, nos ensinamentos, na vida. Fui ao velório com minhas amigas. Não sou de velório, mas quis estar ali. Chorei e também ri muito a cada homenagem, cada história, cada foto de Neyde, alegre, com alto-falante, dançando, brincando de roda. Cantamos para ela uma música que nos ensinou, depois uma do Robertão, que eu nem sabia, ela era fã.

Engraçado, naquela semana, em especial, passei cercada de mulheres, lindas, poderosas, protagonistas de uma nova cena, com as crises de todas as cenas antigas.

Tinha preguiça de viajar. Em Porto Alegre, encontrei a "legião de demônios": Nilza, Foulcault, Boaventura, July, Rebeca, Charô... Deu nisso, insônia, vontade de viver, cada instante, como se fosse o último.

Ouço a gargalhada de Neyde.