terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Poliamor é das antigas...

Para quem acha que poliamor é um novo conceito de relacionamento, ou para os infames que dizem que é uma moda, a história mostra que esta forma libertária de viver a afetividade é muito antiga.

Nos anos 20 do século passado, a atriz Lilia Brick vivia com o marido, Ossip Brick quando hospedaram em sua casa Maiakóvski. Segundo Lilia, Ossip e ela teriam se encantado com o poeta imediatamente. Lily conta (em entrevista a Boris Schnaiderman, já bem velhinha) que gostou de Maiakovski "como homem" e comunicou ao marido seu afeto. Ossip, com quem tinha uma relação de profunda amizade e respeito,aceitou o fato com naturalidade. Daquele dia em diante Lily mudou-se para o quarto do poeta e continuaram a viver os três, por longa data, sob o mesmo teto.

Alvo de todo tipo de preconceito, Lilia Brick permaneceu casada com Ossip,mesmo depois de terem assumido uma relação de amizade. Questionada por Schnaiderman sobre por que mantivera a relação conjugal, ela respondeu que queria muito bem ao ex-marido e que temia que ele se magoasse se ela pedisse a separação.

Para ela, Maiakóvski escreveu seus mais belos poemas, com a força criativa que só o amor é capaz de proporcionar.

Abaixo,meu predileto:

Lilitchka (em lugar de uma carta)


Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto -
um capítulo do inferno de Krutchonikh.
Recorda -
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas no coração - aço.
Um dia mais
e me expulsarás
talvez com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo a rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
- duro fardo por certo -
pesará sobre seus ombros
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lancarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás que te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?

Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Confessar por quê?

A história das confissões em nossa sociedade é uma história de controle. Obtidas pelos casais, geralmente sob nomes bem bonitos como transparência, honestidade, confiança e justificadas com outros também bonitos, como amor, cuidado, carinho, servem a um único senhor: o controle.

Quem cultiva a privacidade, o segredo, o cuidado com si próprio, o partilhar apenas o que quer partilhar com os outros é tratado com tchan tchan tchan... Desconfiança!

Ao compreender o embate de forças que se dá entre inquisidores e confessadores, adotei a política do não-confessional e, obviamente, alguns e algumas colocaram a minha não-confessionalidade no patamar da falsidade e da fraqueza em sustentar pontos de vista polêmicos, especialmente aqueles que tangem minha vida amorosa.

Tempos atrás me caiu no colo um conto de Oscar Wilde que dá um tratamento primoroso ao tema, “A esfinge sem segredo”. Nele é narrada a história de Lady Alroy, mulher misteriosa por quem se apaixona Lord Murchison. O interessante é como Lord Murchison vai construindo sua interpretação sobre os mistérios de Lady Alroy, numa trama paralela imaginária, repleta de sentidos negativos; e como a própria narrativa desconstrói os sentidos atribuídos aos segredos da moça.

Eu queria ter sutileza de Wilde, mas como não tenho cabe-me ser direta. Há uma contradição no discurso das confissões, especialmente quando vem associado do valor “confiança”. Confiar não é um valor que prescinde de confissões? É preciso dar conta de cada um dos nossos passos para que nossos parceiros e parceiras nos coloquem na conta de pessoas honestas e confiáveis? Se confia, é preciso ter controle? Se confessa, é sinal de sinceridade? O que vem depois da confissão? Um julgamento, uma penitência?

Desconstruir o binômio confissão-confiança, forjado com a única finalidade de controlar é sair da obscenidade para a delicadeza do mistério. Um desafio nestes tempos de alta tecnologia em vigilância.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Insônia boa

São 3h30 da manhã e meu olho está estatelado. Paixão corre meu corpo de todos os jeitos, sai pelos poros.

Esta aventura de agora começou na UFBA, no dia que completei um ano de mestrado. Tive aula com Leandro Colling, disciplina Cultura e Identidades, tema Gênero. Isto nada diz de tudo o que senti naquela aula,naquele dia que uma mulher bem apagadinha saiu lá de dentro de mim para protestar contra o preconceito. Naquele mesmo dia, uma mulher que eu amava morreu num ataque fulminante do coração, na sala ao lado.

Aulas suspensas, morreu Neyde, uma anarquista. Na hora não senti nada, ou melhor, senti uma alegria por ela não ter sofrido. Soubemos ali, na hora que rolou, que ela pediu um copo d'agua e caiu morta.

Passei aquele dia e o outro pensando em Neyde, nos ensinamentos, na vida. Fui ao velório com minhas amigas. Não sou de velório, mas quis estar ali. Chorei e também ri muito a cada homenagem, cada história, cada foto de Neyde, alegre, com alto-falante, dançando, brincando de roda. Cantamos para ela uma música que nos ensinou, depois uma do Robertão, que eu nem sabia, ela era fã.

Engraçado, naquela semana, em especial, passei cercada de mulheres, lindas, poderosas, protagonistas de uma nova cena, com as crises de todas as cenas antigas.

Tinha preguiça de viajar. Em Porto Alegre, encontrei a "legião de demônios": Nilza, Foulcault, Boaventura, July, Rebeca, Charô... Deu nisso, insônia, vontade de viver, cada instante, como se fosse o último.

Ouço a gargalhada de Neyde.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Viva a cena gay de Porto Alegre!

Domingueira, a cena gay da Cidade Baixa me emociona porque resiste a todos boicotes criativamente e nisto, parece ganhar cada vez mais força na capital gaúcha.
Expulsos do Guion - que hoje está à merecidas moscas por colocarem para fora o povo que fez a fama do lugar - foram para a rua e ocuparam mais uma calçada, a do Zaffari, que logo construiu uma cerquinha, uma espécie de guarda-vômitos, ao redor do mercado. Feito cobra, a galera se espichou para mais uma quadra. E se espichará por toda a cidade, feito jibóia, trucidando os valores hétero-normativos, até serem colocados para dentro, como gente merece ser tratada.
E são muito jovens, são adolescentes, são minha esperança num futuro menos careta que este presente insípido. São a contracultura deste tempo anorgástico do politicamente correto.
Continuando a série "em busca do século XXI", como é que pode as pessoas não poderem viver suas relações afetivas livremente? Quando foi que se decidiu que ser homo, bi, pan-sexual, não era legal? Hein? Hein? Hein?

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Em busca do século XXI

Quando era criança, calculava com minhas amiguinhas quantos anos teríamos no ano 2000, o mundo ia acabar e tínhamos muito a fazer antes disso. Na adolescência eu já sabia que o ano 2000 não era o fim. Era sim o começo da era da liberdade, eu acreditava.

Meus amigos, bem mais velhos que eu, se casavam e, de repente, a gente não podia mais andar de mãos dadas ou ter o prazer de uma conversa a sós. Então, eu comecei a pensar que as relações abertas e confessionais eram a proposta revolucionária para o novo século.

Depois, aprendi que o termo "relação aberta" é tão careta quanto os que definem relações convencionais, pois partem também do princípio da concessão, como se um outro tivesse o direito de decidir o que podemos sentir.

Quase no fim da primeira década do novo século, artefatos como o cinto de castidade foram abolidos e nenhuma mulher precisa estender o lençol com o sangue de sua virgindade na janela. No século XXI o cadeado foi substituído pelas confissões que, quase sempre associadas ao discurso da confiança, servem ao controle, a alimentação do ciúme, a desconfiança sobre o silêncio do outro e ao desrespeito a privacidade.

Ouvi dizer que se a gente não conta (confessa) tudo sobre a nossa vida o outro cria expectativas falsas. E se a gente conta, o outro não cria expectativas? E se a gente muda, o que faz com as expectativas sinceras que o outro criou? Então será que amar é não mudar nunca?

As confissões não deixam marcas no corpo, nem causam infecções e são democraticamente partilhadas por homens e mulheres que, honestos, não tem nada a esconder. As vísceras estão na mesa, é só se servir.

No século XXI, os vínculos amorosos seriam libertários, as pessoas estariam juntas apenas por se amarem, eu sonhava. A monogamia continuaria sendo o que sempre foi: um estado da relação, impassível de controle por contrato. As pessoas poderiam amar um, dois, três. Os amantes, por amor, renunciariam a posse.

Mas uma onda de caretice varre o mundo. Os filhos dos hippies são contra a legalização das drogas e a favor da venda sem prescrição médica do Rivotril. Seu sonho, estabilidade no mercado de trabalho. E a marca do século XXI, as privatizações.

Privatizem homens, privatizem o quanto puderem. A liberdade e sonho não tem dono, nem são passíveis de negociação. É o que nos faz humanos.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Bilhete anônimo

Era o casal mais astral da minha rua e tinham filhos pequenos que brincavam comigo. A crise bateu-lhes a porta e Sérgio, bancário desempregado, teve que trabalhar de motorista de ônibus. Foi nesta época que uma tia minha entrou na vida deles. Por duas vezes pegou a linha de Sérgio e notou que ele conversava muito com uma moça. Concluiu: é caso!
Um bilhete anônimo colocado embaixo da porta deveria ser a redenção da esposa traída e a garantia de um pouco de emoção a vida de minha tia, seca por um intriga fazia mais de dia. Isto foi numa quinta e Iara, a esposa, não foi vista até o sábado. Quando saiu do claustro foi direto a minha casa. Abatida disse logo a minha mãe, "vamos embora para Minas".
Minha mãe, por detestar fofoca, não dedurou minha tia. Limitou-se ao alerta,"Iara, você não vê que teu marido te ama? Todo o povo tem inveja da tua felicidade. Ô Iara..." Não adiantou. Domingo o caminhão encostou e partiram.
Um dia foram em casa visitar: os filhos crescidos, várias cidades mineiras no currículo e uma tintura loira no cabelo de Iara que não entendi até hoje.
Sérgio, calado como antes, terno como sempre.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Empreendimentos



O dia é feito deles e meu leme, a felicidade.
Hoje eu quis me dar beleza e perfume de flores: rosas, angélicas e a misteriosa alstroméria.
Teve também comida, de Goa, com tempero baiano e molho de umbu, minha criação. Mas este assunto é para outro blog...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Moscões morais

Esses moralistas desprovidos de amor ao conhecimento e que só conhecem a alegria de fazer mal - esses moralistas têm o espírito e o aborrecimento provincianos; seu prazer, tão cruel como lamentável, consiste em observar os dedos do vizinho e lhe presentear inopinadamente com uma agulha para que se pique. Guardaram alguma coisa da maldade dos meninos que não podem se divertir sem perseguir e maltratar qualquer ser, vivo ou morto.

Nietzsche

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Maré

É como se a cidade me soubesse e comigo nublasse.
Mar escuro, maré alta, afogar de sentimentos em águas de desejo, frustradas.
A chuva encharca o pátio, as ruínas do casario. Cá dentro está molhado, chuva fina em minha face, feições convulsas, onduladas. No coração, o charco.
Gosto de ver a chuva chegar do mar, irmanar o pranto.
Gosto mais do sol a secar as roupas no varal e de amar sob sua luz.
Que o inverno não se vá sem a dádiva de um amante.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Fragmentos

3
O mar se vai
O mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano

Maiakovski

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Tome nota

Chorar com Chico, gozar com Naná, amar com Itamar, sonhar com Vinícius e a melhor parte, escarnecer com Jards.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Agora falando sério, Chico Buarque

Agora falando sério
Eu queria não cantar
A cantiga bonita
Que se acredita
Que o mal espanta
Dou um chute no lirismo
Um pega no cachorro
E um tiro no sabiá
Dou um fora no violino
Faço a mala e corro
Pra não ver banda passar

Agora falando sério
Eu queria não mentir
Não queria enganar
Driblar, iludir
Tanto desencanto
E você que está me ouvindo
Quer saber o que está havendo
Com as flores do meu quintal ?
O amor-perfeito, traindo
A sempre-viva, morrendo
E a rosa, cheirando mal

Agora falando sério
Preferia não falar
Nada que distraísse
O sono difícil
Como acalanto
Eu quero fazer silêncio
Um silêncio tão doente
Do vizinho reclamar
E chamar polícia e médico
E o síndico do meu tédio
Pedindo para eu cantar

Agora falando sério
Eu queria não cantar
Falando sério

Agora falando sério
Eu queria não falar
Falando sério
_________________________

Falando sério: tem maior compositor que este rapaz? Esta música foi composta em 1969, quando ele tinha uns 25 anos... Ê, lá em casa!

Covarde

Tomou detefon e bateu
Diz que foi abduzido e currado pelos ETs
Amarelou, pediu penico, desapareceu
Só porque eu o convidei pra uma cervejinha...

sábado, 11 de julho de 2009

Minha Lady

Toda noite passa a vender ovinhos de codorna pelos bares do Dois de Julho. Lady, a menina mais doce da Bahia, a trava mais astral do centro da cidade. Será que tem namorado? Será que ele a trata com doçura?
Vem cá, Lady! Eu queria ser homem para namorar você, para dizer todas as palavras de amor que você merece ouvir, para andar de mãos dadas contigo pelas ruas de Salvador e olhar de cima para os idiotas que escarnecem as travestis.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Caso de amor

Por Manoel de Barros 

Uma estrada é deserta por dois motivos: por abandono ou por desprezo. Esta que eu ando agora é por abandono. Chega que os espinheiros a estão abafando pelas margens. Esta estrada melhora muito de eu ir sozinho nela. Eu ando por aqui desde pequeno. E sinto que ela bota sentido em mim. Eu acho que ela manja que eu fui para a escola e estou voltando agora para revê-la. Ela não tem indiferença pelo meu passado. Eu sinto mesmo que ela me reconhece agora, tantos anos depois. Eu sinto que ela melhora de eu ir sozinho sobre seu corpo. De minha parte eu achei ela bem acabadinha. Sobre suas pedras agora raramente um cavalo passeia. E quando vem um, ela o segura com carinho. Eu sinto mesmo hoje que a estrada é carente de pessoas e de bichos. Emas passavam sempre por ela esvoaçantes. Bando de caititus a atravessam para ver o rio do outro lado. Eu estou imaginando que a estrada pensa que eu também sou como ela: uma coisa bem esquecida. Pode ser. Nem cachorro passa mais por nós. Mas eu ensino para ela como se deve comportar na solidão. Eu falo: deixe meu amor, tudo vai acabar. Numa boa: a gente vai desaparecendo igual quando Carlitos vai desaparecendo no fim de uma estrada... Deixe, deixe meu amor.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Demora

Repara, aqui neste lugar nos beijamos pela primeira vez.
Hoje, o encontro é de abraço. Então, me abraça forte e demora. Demora o tempo de eu esquecer aquele beijo.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Katerina

Das coisas que mais gosto,
estar com a menina Katerina
em seu templo de beleza afrodisíaca.
Penso que vem, já foi
estudar filosofia.
De estrela entende tudo,
aprendeu numa viagem à Índia (segredo meu e dela esta viagem).
Diz que o avô era inventor
e ela foi bem inventada.
Da vida não tem medo
nem quando a vida a espezinha.
Escreve crônicas,
faz magias,
atravessa oceanos.
Já foi ter com defuntos em Módena
em busca de uma lira.
Acorda cedo,
dá leite ao filho,
vai ao Marrocos,
vem pra Bahia.
E volta
para o bairro da Liberdade.
Arrasta homens,
arrasa leitos
E rompe.
Rompe a polaca
com tudo que é médio.
Rompe a polaca
com tudo que é tédio.
A revolução virá,
sei que ela virá,
disse o camarada poeta.
Ela é tão bonita
Ela é tão bonita
e atende pelo nome
Katerina.

domingo, 14 de junho de 2009

Deixe

Deixe-me quieto, amor.
Este veneno injetado na veia circula sob alta pressão. Acontece de me deixar ligado, acontece de me deixar triste, acontece de me deixar em silêncio. Aqui neste ambiente, palavra não bole. Palavra passeia e se embriaga de sentidos que querem ficar dentro.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Sensibilidade

Todo cavalo é selvagem e arisco quando mãos inseguras o tocam.

Clarice Lispector

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Cabelo curto

Perguntou-me por que eu trazia o cabelo tão curto. Respondi com algumas mentiras.
Meu cabelo curto é para afastar homem machista. É um jeito de dizer, sem ter dito, que ele só poderá agarrar meus cabelos pela nuca e arrastá-los somente na curta medida entre minha boca e a sua.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Seu David

Saia cedo, chegava de madrugada. Eu dormia no sofá para vê-lo entrar em casa. Acordava-me e a gente se sentava para chupar manga que ele trazia do centro da cidade. Meu pai, fim de semana, pegava um livro de poesia e lia, pausando para saber como eu imaginava aquelas coisas que os poetas falavam, a flor, a correnteza na beira, a loucura de Ismália... E cultivou em mim o gosto pelo delicado.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Amor líquido

Dizia que se tratava de um amor puro, mas como em todas as relações de consumo, quando não serviu mais, descartou. Não precisou de mais que alguns caracteres.
Da obra do sociólogo, que falava das relações líquidas, escolheu o nefasto: apertou a tecla delete. E foram a amada, as promessas, as juras para a lixeira. Não sem tentar expurgar a culpa por não ter sido homem, quando ser homem era essencial.
Quando o ser homem era simplesmente ser humano,propôs amizade pelo MSN. Como se amizade, relação nobre e amorosa, prescindisse do olhar, do abraço, do respeito, do cuidado.
E foi para outro amor, outro uso, outro item no mercado dos afetos.

domingo, 10 de maio de 2009

sábado, 9 de maio de 2009

Mutante

Como um mutante
seguindo o meu caminho
no fundo, sempre sozinho
ai de mim que sou romântica...

512

Entro no bar lotado.

Sei que nenhum homem virá falar comigo e nenhuma mulher também.

Conhecidos falam entre conhecidos. Conhecidos são gaúchos e, estrangeira, não terei a honra de lidar nem com os bêbados do balcão.

Porto Alegre é uma cidade segura!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Cantada

Chegou e perguntou logo:

- Você é a Mônica?
- Sim. Como você sabe?
- É que o seu namorado me falou que a mina dele era a garçonete mais linda deste lugar!

Assim conheci pessoalmente Gigante Brazil. Se fosse outro cara, seria só uma cantada, mas como era "o cara" fiquei totalmente envaidecida.

Não lembro mais porque ele queria falar comigo, lembro só dos nossos sorrisos largos um pro outro cada vez que a gente se via pelas ruas da Vila...

sábado, 2 de maio de 2009

Primeiro de Maio

A parte externa do meu percurso no dia do trabalhador começou com uma caminhada na Redenção, um dos locais mais belos de Porto Alegre.
Dia de "passe livre" e uma satisfação em ver os casaizinhos de gays e lésbicas se amando no parque, os mesmos que fecham a Lima e Silva no domingo, impedidos de entrar no Gayon. Ah, sim, gay in só se for de classe média, afinal o direito do consumidor é garantido.
No parque é tudo diferente. É onde vejo o quanto a capital gaúcha avançou em termos de DEMOCRACIA! Assim, assim... Poucos gaúchos compreendem meu gosto pela rafuagem e, se não embasar teoricamente, corro o risco de ser banida de certas rodas por amar a cidade em passe livre.
Fim do dia? Uma torrada na Lancheria do Parque e uma paçoca rolha... Hum...
Eu queria que toda cidade tivesse um parque lindo, de flores raras, sem grades e gente curtindo sem repressão. A liberdade de atalhar por entre as árvores e encontrar trabalhadores fazendo nada mais que curtir o feriadão na capital! Pais amando seus filhos, meninos amando meninos, meninas amando meninas, meninos, meninas, meninos, meninas...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Lírica impura IV

III

O amor também pede trégua.
Anoitece.
Desidrata.
E quando alguma luz
quase acontece
de novo o ocaso
das coisas livres mas gastas
tão gastas
que até mesmo o tempo
nelas se refaz como se nunca
tivessem sido
outra coisa
que o derruído.

O amor também pede trégua.
Pede o afeto do amigo.
Mão alheia que seja.
Mas que seja
breve
insana
fogo que súbito se alastra.

Edson Costa Duarte (Vivo)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Fogaça ataca novamente

*
Menos de um ano depois da realização da mostra TRANSFER_cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações, que colocou Porto Alegre na vanguarda da reflexão sobre a cultura que é produzida nas ruas, o prefeito José Fogaça destrói os graffitis de Geraldo Tavares, Gera, um dos ícones da arte de rua na cidade.

Quem passa sob o viaduto da avenida João Pessoa ainda pode ver resquícios da obra de Gera embaixo do ladrilho azul, numa intervenção asséptica, insossa e desrespeitosa, como a admnistração do prefeito.

De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Cultura (SMC) "o viaduto pichado e grafitado" receberá uma obra de arte, como se graffiti não fosse arte e Gera não fosse artista.

Fogaça, que se elegeu duas vezes com o lema "manter o que está bom e mudar o que é preciso",conseguiu piorar o transporte, a educação e agora golpeia a cultura. Golpeia também o coração dos moradores da Cidade Baixa, privados da humanidade que a obra de Gera levou para baixo do viaduto.

*Foto de Geraldo Tavares.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Das dicotomias do ser

Nada de novo no front
O coração emana luzes
mas só quero estar deitado
em quarto escuro

domingo, 12 de abril de 2009

Ninguém sente dissabor

Amor,
eu quero que você morra lentamente.
Não, não, sem gritos!
Gritos são coisa de "mulherzinha". E você é macho, né amor?
Se ocupa de mim entre uma e outra nota, né lindo?
Então, amor, nada de pressa!
Nada de pânico quando eu cortar uma arteriazinha.
Oh, que linda, se esvaindo em sangue!
Morra bem, viu? Morra cheio do meu amor, viu?
Eu já aprendi a apodrecer nas portas.
Por você, lindo!
Drummond? Vixe!
Drummond me ensinou tudo e tudo quanto você nem imagina.
Nada de gastar a palavra amor.
Nada!
Nada!
Nada!
Amor, eu quero que você se foda!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

Quando é que o amor acaba?

Parece, não estou bem certo, que é quando o outro perde a graça. Aquela babel da finaleira já não incomoda, qualquer palavra é palavra, qualquer gesto é gesto.
Você olha pra ele e a vista não embaça. Você abre a janela e sol diz basta, basta, basta!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Mundinho injusto

Quando bate esta química, não tem azul, nem mar da Bahia.
Vem a lembrança de uma imagem, que pedi a Deus nunca esquecer: Oswaldo Aranha, seis da tarde, uma pomba a se abaixar no meio da pista para não ser atropelada. Dois meninos de rua, em desespero, entram em meu campo de visão. A sinaleira fecha e um deles grita:

- Avoa pombinha, avoa!

Pode parecer idiota, mas sempre comove-me lembrar desta cena.

Nossa sociedade trata com igualdade pombas e meninos de rua. Com distância, medo, repulsa.

Os meninos salvaram a pomba. Quem proteje os meninos?